
O X da Questão: Demandas de massa ou violações em massa? O problema está nos advogados ou nos fornecedores que violam repetidamente o CDC?
A recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do Tema Repetitivo nº 1.198, provocou uma inflexão importante no debate sobre acesso à Justiça e litigância no Brasil. Ao rejeitar o termo “litigância predatória” e adotar o conceito de “litigância abusiva”, a Corte trouxe mais que uma nuance semântica — ela enfrentou o verdadeiro centro da controvérsia: o problema está nos advogados que ajuízam milhares de ações ou nos grandes fornecedores que, reiteradamente, violam o Código de Defesa do Consumidor? Esse é o verdadeiro X da questão, especialmente no contexto de planos de saúde, bancos, companhias aéreas, concessionárias de serviços públicos e outros gigantes do mercado, que precisa ser encarado com seriedade. Há um movimento articulado para deslocar o foco da discussão: advogados que atuam em nome de milhares de consumidores são frequentemente alvos de discursos que tentam deslegitimar a advocacia de massa, retratando-a como mercantilizada ou artificial. Mas o Judiciário brasileiro, com acerto, tem compreendido que a multiplicidade de ações é reflexo direto da multiplicidade de violações — não da má-fé dos advogados. É nesse ponto que a decisão do STJ se torna emblemática: “O número de ações propostas por um advogado, 10, 1.000 ou 100.000, não é indicativo, por si só, de litigância abusiva”, afirmou o ministro Herman Benjamin, relator do caso. A mensagem é clara: quantidade não é sinônimo de abuso, sobretudo quando os direitos dos consumidores seguem sendo negados sistematicamente — em especial na saúde suplementar. Litigância abusiva reversa: o nome do silêncio institucional O mesmo voto introduziu um conceito crucial: a litigância abusiva reversa. Ela descreve o comportamento de grandes fornecedores que, mesmo diante de normas, súmulas e decisões consolidadas, insistem em desrespeitar direitos, forçando os consumidores a buscar reiteradamente o Judiciário para garantir o que já lhes é assegurado. Trata-se de uma lógica perversa: enquanto o consumidor luta para ver seus direitos reconhecidos, as empresas se beneficiam da morosidade, da assimetria informacional e, agora, tentam posar como vítimas de um suposto “excesso de judicialização”. Na realidade, o que está em excesso são as práticas abusivas, os contratos desequilibrados, os descumprimentos deliberados e as estratégias de desgaste que as empresas impõem aos cidadãos. Conclusão: quem realmente abusa do Judiciário? Os números não mentem: são os grandes fornecedores — e não os consumidores — que estão na origem do congestionamento judicial. As demandas de massa são respostas legítimas à violação persistente e impune de direitos. O que precisa ser combatido não é o número de processos, mas o número de vezes que empresas testam a paciência dos consumidores e a resiliência do sistema de Justiça. A OAB da Bahia foi pioneira nesse sentido e instituiu, em 14 de março de 2025, a primeira comissão do país voltada exclusivamente para enfrentar as consequências jurídicas da chamada litigância abusiva: a Comissão de Apoio à Advocacia de Demandas de Massa, da qual tenho a honra de presidir. Essa iniciativa inédita marca um passo essencial na proteção institucional do livre exercício da advocacia e nasce com a missão